XIX. Beijar

Sinto-me como se já não sentisse nada. Aliás, sinto mesmo que é isso que sinto: nada.
Preciso mesmo deste inverno que se avizinha. Preciso de sentir a chuva a lavar-me o rosto. Que o vento me sacuda os cabelos e que as minhas mãos gelem, até que doam.
Só posso acolher, de braços abertos, uma estação tão tempestuosa e mal-amada como eu. Só posso recebê-la no peito como quem recebe, em casa, um amigo, há muito distante. Só posso beijar este meu lado natural e tentar aquecer-lhe as faces, em busca deste tempo perdido que foi o tempo em que amei sem saber.
E agora, que sei que não amo mais, dói-me. Porque os pesadelos continuam a perseguir-me, qual animal indefeso.
Já só espero voltar a encontrar-me noutro corpo.

1 comentário:

Jéssica Cardoso disse...

Pelos mesmos motivos e por outros que o meu próprio corpo cala e desconhece, desejo o inverno e o seu rigor, tanto quanto tu.

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Quando lia contos de fadas, eu imaginava que aquelas coisas nunca aconteciam, e agora cá estou no meio de uma! Deveria haver um livro escrito sobre mim, ah isso deveria! E quando for grande, vou escrever um...
L.C.