Ao Meu Doce e Ferido Luar


Asfixio-me na tua espuma e numa nebulosa de sal e em cristais me deito.
Perco a noção dos sentidos e, ridícula criança!, sussurro mundos de mel.
Com as pálpebras fechadas, vou percorrendo cada grão de infinito teu. Ainda há pouco me chamaste, de olhos negros e marejados de pérolas de sangue, e banhaste-me de mãos incógnitas com sabor a um sol áspero e seco e a teus lábios que são meus. E já não o são.
A tua ira acaricia o meu corpo desnudo na areia e, entre rasgões escarlates, prende-me (não sei se o corpo, se a alma) com espinhos de rosas.

Esta melodia que somos e me suga para o cenário idílico que construí na mente psicótica que tenho, não passa de uma trip de heroína. É tudo tão intocável e tudo dói. Tudo passa. Já é doença, já é dança, e não orvalho.

Caminho pela floresta, em trilhos demarcados pela passagem das chamas. Traçaste um desses, mesmo nas minhas pernas. Ainda me custa olhar para eles e recordar que neles já correste, também.
A floresta aonde brilhas, meu doce e ferido Luar. Aonde os teus olhos ainda se refletem nas agulhas dos pinheiros e as tuas mãos bailarinas ainda dançam ao sabor da tempestade e dos anéis de fumo que fazes com o cigarro.

Queria eu ser um desses anéis.

Numa quietude desconcertante, aproximou-se do banco verde de madeira, bamboleando a carteira de couro na mão direita. Trazia vestida a saia azul, decorada com pequenas margaridas brancas, e a sweather cinzenta. Apesar do calor outonal, sentia-se bem.
Nos seus olhos brilhava a ânsia por um cigarro e o arrependimento de uma noite de sangue sem sono.
Os seus lábios, pintados de vermelho vivo, convidavam a um beijo libidinoso de travo amargo a tabaco. E, no esplendor da sua juventude, esses mesmos lábios, ainda infantis, cheios, e a boca semiaberta (de alheamento) não passavam despercebidos pelos doutores prometidos que por ela passavam.
"Aqueles mocinhos já estão na unibersidade", disse uma velha vestida de azul-turquesa, em tom de cochicho, com uma deliciosa pronúncia do Norte, para o marido, também ele sentado no banco.
Alice desviou o olhar para o casal idoso. Aquele acento que, tanto lhe era alheio, como familiar, sempre a fascinava… Olhou para os rapazes…
Oh! Esses jovens! Quantas vezes se irão eles perder em Alices, em beijos rubros de tabaco e aguardente, no espírito boémio da capa preta...
E tal como o eco do comboio que se aproximava no túnel, também o esvoaçar das pombas, a azáfama de saltos agulha, das capas pretas contra o vento e da velhotinha, que numa doce brincadeira sorria para o marido, ajeitando-lhe a sobrecasaca de bombazine castanha, desapareciam por entre o cabelo esvoaçante de Alice.
Respirava melhor com a boca assim, entreaberta, e o ar frio da estação férrea feria-lhe a garganta seca de quem já não fala há horas. Óptimo! Antes a matasse e acabasse com tudo.
Pensava na melhor forma de terminar com a dor… e essa seria atirar-se para o fosso que, alguns metros à sua frente, abria o chão em linhas geladas de ferro agora molhado pelas chuvas matinais.
Olhou as linhas amarelas… Significavam perigo. Para Alice... seriam a salvação.

Levantou-se pesadamente, arrastando as Docs pelo chão...
Com a respiração suspensa, pensou neles...
O mundo era um vampiro...

Dirigiu-se ao cinzeiro mais próximo e deitou fora a chiclete de canela. «O problema é se nos atiramos para a morte e acabamos como vegetais numa cadeira de rodas», ouviu a voz dele na sua mente.

E entrou no comboio da linha oposta, seguindo os velhinhos.

Eu só queria o mesmo que eles.

To Ally, from Heath

And My Eyes Are Burning


Batom vermelho


Hábitos que não dispenso...


Por isso pára de chorar,
Carrega no batom,
Abusa do verniz,
Põe os pontos nos Is.
Nem Deus tem o dom
De escolher quem vai ser feliz.



Canção de Alterne, by Rui Veloso

Um Prisma Em Nós...


Hoje perdi-me de novo nas voluptuosas torrentes de espasmos do teu ser. Senti-te tremer, de cada vez que os meus lábios de fúchsia percorriam a tua pele beijada pela água do abismo.
Em ti, fui ninfa. Levei-te à perdição. Uma e outra vez. Beijei as pétalas de borboleta que te tingiam a pele de anil e púrpura, percorri todos os esboços primorosos que delineias quando na tua mente pintas o infinito que nunca atinges e clandestinamente deixas que o metal acre e fino seja o teu pincel e tu a tela.
A cinzel, talhaste-me. Fizeste-me tão graciosa a teus olhos, como se nos meus cabelos nascessem todos os sóis, como se no meu ventre houvesse jardins de flores brancas, como se os meus seios fossem botões de rosas frescas em que, deliciosamente, te deleitas pela manhã.
Não me deste cor. Disseste que eu era perfeita assim: de alabastro, translúcida, dócil. Quase virginal.
Assim, arruinar-me-ias quando as tuas unhas riscassem de fogo a minha pele. Essa seria a tua mais perfeita expressão de vaidade e prazer. Essa seria eu. Assim, poderíamos fundir a palidez de almas que já não existem, senão, quando a arte carnal e a luxúria infinda nos consomem e nos levam à exaustão… uma e outra vez…

Goodnight, Heathcliff

I close my eyes and I touch the soft skin of your face with my left hand... I skip it into your tangled black curls. They're also a good metaphor for your soul. For mine.
I rest my head on your bare shoulder and everything in me is fire. I don't know what color I burn. Perhaps there's no chemical element to ignite in the same way that our bodies do...




Now your eyes look glassy and my eyes are raining. My makeup is flaking. I don't know if I'm crying putrid blood or if the color of my eyes is escaping me...

I blow you goodbye, clean the mud and fall asleep.

Goodnight, Heathcliff.

Since we met...

...I've had erotic dreams about you.

queria eu que fosses melancia,
que fosses doce e fresco
e que acabasses no fim do verão.

queria eu...

Quando escrevemos, oferecemos algo ao mundo.
Pois, hoje, quero que as montanhas altas escocesas saibam que, esta pseudo-quase-ode é para elas. Quero que saibam que me perco por elas, quando, desejando o fim, sonho com o Paraíso. Elas são a minha definição de Nèamh.  Elas e a neve branca que queima a pele da face onde cai.
De certeza que já vivi várias vidas e em vocês me encontrei. Eu estou certa que já vos pertenci... Ainda pertenço! No fundo, não sou mais do que um ser que não pertence a uma sociedade suada, húmida, amarela e doentia. Pertenço-vos! Sou tão vossa filha quanto as raposas selvagens que se ocultam sorrateiramente, e os cardos que brotam dos esconderijos dos rochedos.
Transportem-me. Como? Não sei... Não tenho nenhum bilhete de avião e sonho com o amuleto mágico de granito branco que me sopre pela magia ancestral.
Esta vida está a causar-me uma agonia assombrosa. Sinto-me dividida, pois não tenho conseguido obter respostas para os meus problemas, para os problemas deles, para os da humanidade. Magoa-me e fere-me o aigne enrugado por dores inventadas e mal sentidas. E já não sei por que me sinto assim... É um mal-estar a que me acomodo e, no meu egoísmo, de quem come sempre o último queque da travessa, queria que todos sentissem o que é ser eu por um dia, como é a dor que me dói.

Ainda nem me habituei aos meus dezoito anos... e já o meu medo tem cem...

We're fated to pretend



I'm feeling rough, I'm feeling raw, I'm in the prime of my life
I'll move to Paris, shoot some heroin and fuck with the stars.

This is our decision to live fast and die young.

We've got the vision, now let's have some fun
Yeah it's overwhelming, but what else can we do.

We're fated to prentend.

We're fated to pretend. 
To pretend.

Time To Pretend, by MGMT
preciso de um cigarro...


Noites de insónia...

Sento-me à cabeceira da cama e aponto, aleatoriamente, a lanterna com que a minha imaginação vagueia, e percorro o quarto.
À minha volta, e como sempre, a minha melhor companhia: os meus fantasmas, reúnem-se.
Sentados junto ao fontanário, apreciam a água que brota dos diferentes bicos e os jorros caem, num pranto, no abismo de pedra cinzenta, pardacenta,  pincelada de limo e musgo, fazendo aquele carpido gorgolejante de água a cair. O som lembra-me sangue. Não sei o porquê.
Ah... as minhas noites de insónia. Não sou um escritor romântico. Talvez tenha influências, como uma espécie de reminiscência trazida por uma vida passada, mas certamente identifico-me com Camilo, que, desassossegadamente, também cavaqueava com fantasmas nas suas noites de insónia. Parece que não somos assim tão diferentes. Teria sido uma boa época para viver...
Vês? É nisto que os espectros são bons. Fazem-me etérea e transparente e lunática e...
Suspiro.
Aponto para cima. Acho que os humanos olham pouco além da própria cabeça. Temos mais tendência a olhar para o chão e poucas vezes vemos os pássaros. Bem, não tenho pássaros no quarto. Tenho-os na mente. São suficientes.
Sobre o tecto branco do meu quarto, pintei histórias, revi(vi) lembranças, alcancei alguns sonhos até, que, claro está, não sairão desta tela finita. Do candeeiro apagado, extraí sombras que se desenham ao longo dos ornamentos dourados em forma de folha e das túlipas de madrepérola.
As paredes do meu quarto são de cor lavanda. Uma tonalidade calmante de que realmente gosto. Os meus pais pintaram o meu quarto enquanto estive em Inglaterra. Preferia verde lima. A cor da natureza. Ainda assim, apreciei o esforço e nada lhes disse.
Vou acender velas. Gosto de velas. São de lavanda, também elas. A cor do espírito e o aroma que exalam (apesar de sintético) cheira-me a paz.
Aponto a luz da lanterna para o espelho e recebo o mesmo feixe luzidio em troca. Vejo o mesmo reflexo nele todas as noites: um sorriso contrafeito e afectado, muito mal camuflado, de alguém triste, a expressão taciturna, esgotada, o olhar infeliz e o cabelo desgrenhado. Já não sou a mesma. Sou um ser mórbido que já não sorri verdadeiramente há muito tempo. Sinto-me bolorenta… aos poucos vou…
E junto-me…

                                  Aos fantasmas…
                                                                              Das tuas noites de insónia…

Para que, no meu egoísmo, também amargues por me teres levado ao precipício…

Não sou mais do que má arte e cicatrizes antigas...

4:12

Pousei a cabeça na almofada e fingi-te junto a mim, a envolver-me com os teus braços desnudos, frágeis e frios. Também tu eras frágil pois perdeste a fé de uma infância morna ao sol.
Estavas destroçado, e a tua alma em estilhaços encandeava a minha de pedra da lua, embalada pela ónix dos teus olhos que, em sonhos, me desassossega.
Afaguei a tua mão com a minha e estremeceste e recordei-me que eras assim, vivias no medo.
E criei este fantasma teu para me abraçar quando a falta do teu toque queima a minha pele e rasga o melhor de mim...
Tentei dormir. Remexi a almofada, na esperança de afastar os pesadelos da tua ausência.
Abro os olhos. Mas ainda cá estás. Ainda te sonho...

2:59

O cheiro acre a pólvora permanece no ar e há uma débil nuvem de fumo junto à imponente poltrona de madeira de carvalho talhada, com doces cornucópias e ornamentos onde repousa o pó, estofada a veludo verde.
A doce neve que cai lá fora em segredo, como que beijando o solo, não sabe que junto à lareira jaz o meu corpo no chão, tão gélido quanto a sua essência, ainda com os dedos da mão mármorea sobre o gatilho de metal.
Suporta a dor deles. Suporta a minha. Mataste-me.


"Não te amo, quero-te"

E vai ser sempre assim, ou não se conjurassem as ervas daninhas em torno do propulsor de vida e asfixiassem a luz ténue que pingava das pétalas do lírio beijado pelo orvalho.

To the lunatic on the grass

I've become comfortably attached to you, to the point where I consider you one of the greatest geniuses of all human existence. You're amazing and, even with your seventy years, you still a hell of a man and, damn!, you rock.
We will meet some sunny day. Happy birthday, lunatic.


Roger Waters
A questão é que cada palavra minha não passa de uma página rasgada de um livro que não chegou a ser escrito.


Ainda te recordas da dança frenética das folhas dos eucaliptos compassada pela queda da chuva? Da opacidade que nos preenchia e desembaraçava os demónios em nós?
E se caísses mal? Bem, se caísses mal, forçar-me-ias a ir contigo porque nunca a tua dor foi feita de algodão e o fio de sangue que jorrava de ti não era de seda. E tu, melhor que ninguém, sabe-o. Tu, que tombaste das nuvens e agora vagueias como o anjo caído das histórias míticas e seculares, não és, senão, a minha história mítica, aquilo que será sempre a minha fantasia, da magia taciturna  das noites de morrinha.
E perdes-te na erva húmida e os teus cabelos em espiral, desalinhados, confundem-se com a confusão que os fios de lã cinzenta de emoções são em mim.
E eu e a minha lógica arquitectónica padecemos porque, logicamente, quebraste as barreiras de todas as possibilidades e trouxeste o contraditório.
E esqueceste-te de nós. Desprezaste a loucura nocturna que fomos, e o infinito que varreste para a perdição levou consigo a recente descoberta de um sentimento por inventar.
Ah! Se te odeio! É este malquerer que me consome, porque, inconscientemente, fazes-me querer por ti.

detalhes...

Olho para ele. Está a dormir. Sobre a testa pálida e perfeita caem alguns caracóis. Está com cabelo de queca. Esqueceu-se de tirar os óculos, que lhe repousam agora sobre a ponta do nariz comprido. Tem a boca ligeiramente aberta, com um respirar ritmado e calmante.
Aproximo-me para lhe tirar os óculos e não resisto ao impulso de lhe tocar na barba por fazer. Imagino-a contra o meu pescoço, sobre o meu peito, no interior das minhas pernas...
Move-se ligeiramente. Reparo que sorri à medida que o meu polegar desliza pela linha do seu maxilar e em direcção aos seus lábios. Sorrio também.
 Gosto de ti assim. Gosto de ti quando estás com a guarda baixa e és meu e inofensivo... Shhh... Volta a dormir...


You look at me and I recognize that look of black pearls going insane and I shrug myself with fear. I’m not afraid of you, I never was. I’m afraid of my weakness because I’ll fall for you. Again.
And undress me voraciously. I undress you and lust fills my soul. Grab me and hold me and I know it will always be like this. And the jerky swings where we dance lead me to the pain of having you and not possessing you.
Wrap my colorless neck with your hands, choke me with lust and forget love.
Lose yourself in my skin, bite me, taste me and yell! Make me yell! And kiss me and... Ah! Make it hurt and kill the emptiness in me. And together we get lost in these pleasure waves, sinking in this ocean that is our darkness.
Your hair, mine, the sweat and your taste of wine.
Ah... the wine. The scarlet tone, with which we toasted to death, now merges with whats left of this madness and lies on the linen sheets.

It will always be like this, between us. You already told me and I pretend to forget it, so I won't suffer. I will be yours anytime you want it, you'll use me, you'll fuck me and I'll give myself to you other and other time, knowing that kills me. You're killing me.


"I am very much in love with no one in particular"

Migalhas...