VII. Meninice

(Olha: é imperativo que leias este texto ao som desta música!)

Era para ser Mafalda, mas nasceu Alice de vários corações e muitas feições. Começou a caminhar cedo demais e aprendeu a falar sem que lhe pedissem.
Escrever, foi outra conversa. Começou com um A muito torto, mas lá lhe foi dando o jeito e, como quem não quer a coisa, na primavera seguinte, já andava a contar histórias inventadas por ela. Fazia castelos com livros do Winnie the Pooh e muralhas com histórias sobre bruxas e magos, princesas, maçãs e sapos. E chorava porque queria ler mais do que o que as imagens permitiam à sua imaginação e não conseguia. A Mãe sempre lhe dissera que ela deveria ser actriz – chorava quando queria.
Usava sempre blusas de bolsinhos bordados, saias laranja-abóbora, soquetes com folho rendado e as botas ortopédicas azuis-marinho; um laço nos caracóis e a pulseirinha de oiro no pulso gorducho. A pulseira que a Avó lhe tinha dado.
Passava horas a brincar com folhas de hortelã-pimenta e bolas de sabão. Tinha uma teimosia muito natural, uma pacatez quimérica muito floral e um jeito para o desenho muito próprio.
Era feita de muito.
...
Hoje, há uma casa em ruinas, de paredes cor-de-rosa. A casa da sua infância. E, pelo meio dos escombros, está a tábua da mesa da cozinha, toda rabiscada de lápis-de-cera amarelo, que era a cor que pegava melhor na madeira por envernizar.

1 comentário:

Jessica disse...

O meu coração derreteu-se por esta Alice de botas ortopédicas azul-marinho. Conheci uma menina de palavras prematuras muito parecida com ela. A dificuldade dela era decorar a tabuada e desenhar a letra "e". Tinha olhos grandes e verdes e uma franjinha torta corta em casa. Gostou sempre das artes e de livros. Essa menina hoje vive-me dentro do bolso porque apesar de pequenina, é muito grande para caber num corpo de 21 anos. Mas ela revela-se tanto ás vezes. Eu achei-me sempre uma criança com corpo de mulher. E deixa-me feliz que tenhas encontrado essa doçura nas minhas palavras e que me achasses mais novinha :) E muito obrigada pelo carinho das tuas palavras!

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Quando lia contos de fadas, eu imaginava que aquelas coisas nunca aconteciam, e agora cá estou no meio de uma! Deveria haver um livro escrito sobre mim, ah isso deveria! E quando for grande, vou escrever um...
L.C.