XXI. Suspirar

Apanhou o cabelo, descontraidamente, ciente de que, não tardaria, iria soltar-se. As pontas onduladas que lhe pendiam sobre a testa colavam-se à face húmida.
Sentou-se na beira da cama e suspirou. Talvez por ter voltado a dar-se ao pecado de cair novamente no precipício que era a luxúria dele.
Estava nua e sentia o seu hálito a gin sobre a sua pele; tinha os dedos fantasmagóricos, ainda lodosos, da queda. Ainda sentia o seu arfar no pescoço arrepiado e a força com que a imobilizava, como um ser possuído, doente. Sentia a forma como lhe tocava, docemente e, contra o relógio, deambulava sobre o seu corpo, conhecendo as montanhas e os vales da sua pele.
Fechou os olhos e viu-o, para além das cortinas, a suspirar também, como um sol de Março, quente, promissor, a pedir perdão e a renascer, como uma fénix.
Abriu os olhos e voltou-se. Lá estava ele, sobre as ondas daquele amor louco e impaciente, do outro lado da cama. De olhos fechados, a tremer. Ele era o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim; um vulcão e uma nuvem; fúria e paz. Ele fazia o tempo e parava-o dentro dela, a seu belo capricho.
Mas, no fundo, eram só aves alienadas… entre suspiros e conversas de café. Eram só um sonho dela.

1 comentário:

Jéssica Cardoso disse...

É bom ler-te e lacrimejar-te depois de um café amargo e de uma manhã perdida.

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Quando lia contos de fadas, eu imaginava que aquelas coisas nunca aconteciam, e agora cá estou no meio de uma! Deveria haver um livro escrito sobre mim, ah isso deveria! E quando for grande, vou escrever um...
L.C.