Sentei-me, de olhos postos no céu, cigarro entre os dedos, ritmo
cardíaco acelerado. Aceleradíssimo. Descompassado e louco.
O meu coração é desgrenhado, insensato. Sopram-lhe dois colibris, lado
a lado, batendo as asas contra o perpétuo movimento do universo.
Fechei os olhos, ciente daquilo que me matava. Se todos sonhassem o
que eu sonho, todos estariam apagados, neste momento. Debelados, como o meu
fôlego, semelhante ao meu cigarro, agora extinto.
Ninguém conhece a dor que me dói: a procrastinação do amor.
O amor… ah, esse entardecer suspenso. O amor: uma dor de garganta,
mãos trémulas, cabeça e olhos pesados. O amor é assim. Uma espécie de hipnose.
Deito-me, fetal. Se pudesse, comprimir-me-ia ainda mais sobre o meu
corpo. Espremeria a minha pele até que toda se fundisse e eu me tornasse numa
esfera.
A esfera branca dos pesadelos
de criança:
O assombro causado, depois de fechar as pálpebras. Um assombro que me
tirava horas de sono, areoso, semelhante a um ecrã de uma televisão antiga,
cheia de desassossego, que apenas emitia o som do formigueiro.
Sonhava com folhas de papel brancas que se tornavam escuras ao serem
amarfanhadas. Uma flor de caule cortado e sangue jorrado. E sonhava isso, desde
menina. É a areia, mãe. A areia vem atrás
de mim!, gritava, em pânico a criança que me revejo.
O sonho voltou hoje. Mas o momento de hipnose quebrara-se. Um murro no
estômago desperta-me e estou agora ajoelhada; lágrimas lavam a maquilhagem
escura dos meus olhos e choro, assustada, enquanto as minhas entranhas me fogem
pela boca. Uma imagem hedionda, deplorável, menina dos olhos verdes. Uma
fotografia pouco digna de uma princesa.
– Por que choras?
– Porque não consigo chorar…
Tenho uma doença. Deixa um travo amargo no céu-da-boca e uma dor forte
na barriga. É circular e muito cara. O que é que estarão a fazer no Céu agora? Será
que estão à minha espera?