Tu és toda alada, toda ♢

Minha alma é uma orquestra oculta;
não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas,
tímbales e tambores, dentro de mim.
Só me conheço como sinfonia.

Fernando Pessoa, in Livro do Desassossego


A casa das rosas de Santa Teresinha

Não te construí nenhum refúgio.
Não há nenhuma ária que nos encha os peitos de contentamento. Antes pelo contrário; a parada marchante que nos sentenceia aos últimos segundos de vida avança. Não há dó, nem piedade.
Dói a cada passo dado; dói a cada pedra que não foi erguida para o lar que te prometi. Não teremos um salgueiro centenário junto ao poço… não teremos roseiras de Santa Teresinha nos muros… nem cerejeiras em flor. Perdoa-me, meu amor.
Esta vida já não nos serve de nada. Arrisquemos a próxima?

She stood in the doorway, the ghost of a smile...



By the cold and religious we were taken in hand
Shown how to feel good and told to feel bad.Tongue tied and terrified we learned how to prayNow our feelings run deep and cold as the clay.And strung out behind us the banners and flagsOf our possible pasts lie in tatters and rags.

Do you remember me? How we used to be?Do you think we should be closer?
           

                   Your Possible Pasts, by Pink Floyd

Irónico mesmo...








... é eu ter um vaso com amores-perfeitos.
Não tão irónico é o facto de estarem a definhar.

«He once was a true love of mine»


Sou do tipo de pessoa que não consegue adormecer se a almofada não for confortável, se os pensamentos forem muito pesados e se o vento uivar.
Já tu és precisamente o oposto: usas duas almofadas e assemelhas-te, no teu respirar ligeiramente sibilante, a um vulcão adormecido, numa ilha grega, perdida no nosso mar.
Eu gosto de dormir despida; despida de amarras e urze; nua; leve e frescamente, mesmo no nosso inverno. E tu usas meias de lã entrançada, com borbotos e, ora rompidas nos calcanhares, ora nas pontas dos dedos. Mesmo na estação seca.
Tu sabes que eu gosto de tapar a cara com o cobertor… e tu dormes na outra ponta da cama, porque os meus braços são sempre demasiado quentes.
E eu… eu desperto na madrugada, só para dedilhar na tua barba rija, já de homem feito. E tu… tu deixas-me adormecer e desprendes-me do teu corpo. Tenho calor, justificas-te novamente. Sempre me assemelho a uma roseira e tu a minha fonte de vida.

Mas sou eu quem ainda te sonha na cama. Sou eu quem ainda espera por ti, que perdes horas a descalçar-te do dia.
Sou eu quem, consciente de que já não vens, se afoga na tua almofada e no teu perfume leve de suor, limão e mel.
Sou eu quem chora. Sou sempre eu. 

Simone baloiçou-se floralmente sobre a muralha fernandina. Choviam-lhe dos céus as graças do amor e pingava-lhe, sobre a ponta do nariz, a felicidade. 
Encharcado, vendo Simone sorrir, Bruno arrumava da cara o cabelo fino, sacudido pela chuva. Ela tem uns pés tão pequenos e um abraço tão grande que poderá abarcar o mundo, se quiser, pensou. 
Contemplava a expressão feliz e despreocupada de Simone, de cabelos soltos, ao vento e sorriso rasgado.
Era Maio e as cerejas teriam mesmo de ser comidas à lareira. Nevava à serra e o frio estalava a sua face pálida, agora corada.
Saberia ele que, da outra margem, era dono de um coração? Um coração de menina. Fraco e precipitado. Tão puro e ingénuo.  Tão abnegado e de dores enormes.
Esse sim, esse coração continha o mundo.

E eu tinha tantos planos pra depois!









E em surdina, disse-me:
ouvi dizer que o nosso amor acabou






Introspecção


Sentei-me, de olhos postos no céu, cigarro entre os dedos, ritmo cardíaco acelerado. Aceleradíssimo. Descompassado e louco.
O meu coração é desgrenhado, insensato. Sopram-lhe dois colibris, lado a lado, batendo as asas contra o perpétuo movimento do universo.
Fechei os olhos, ciente daquilo que me matava. Se todos sonhassem o que eu sonho, todos estariam apagados, neste momento. Debelados, como o meu fôlego, semelhante ao meu cigarro, agora extinto.
Ninguém conhece a dor que me dói: a procrastinação do amor.
O amor… ah, esse entardecer suspenso. O amor: uma dor de garganta, mãos trémulas, cabeça e olhos pesados. O amor é assim. Uma espécie de hipnose.
Deito-me, fetal. Se pudesse, comprimir-me-ia ainda mais sobre o meu corpo. Espremeria a minha pele até que toda se fundisse e eu me tornasse numa esfera.

A esfera branca dos pesadelos de criança:
O assombro causado, depois de fechar as pálpebras. Um assombro que me tirava horas de sono, areoso, semelhante a um ecrã de uma televisão antiga, cheia de desassossego, que apenas emitia o som do formigueiro.
Sonhava com folhas de papel brancas que se tornavam escuras ao serem amarfanhadas. Uma flor de caule cortado e sangue jorrado. E sonhava isso, desde menina. É a areia, mãe. A areia vem atrás de mim!, gritava, em pânico a criança que me revejo.
O sonho voltou hoje. Mas o momento de hipnose quebrara-se. Um murro no estômago desperta-me e estou agora ajoelhada; lágrimas lavam a maquilhagem escura dos meus olhos e choro, assustada, enquanto as minhas entranhas me fogem pela boca. Uma imagem hedionda, deplorável, menina dos olhos verdes. Uma fotografia pouco digna de uma princesa.
– Por que choras?
– Porque não consigo chorar…

Tenho uma doença. Deixa um travo amargo no céu-da-boca e uma dor forte na barriga. É circular e muito cara. O que é que estarão a fazer no Céu agora? Será que estão à minha espera?

Música que descreve a minha actividade cerebral:

And the words are all escaping me,
And I would put them back in poetry,
If I only knew how
  

  
And I would give all this and heaven too,
'Cause I've been scrawling it forever,
But it never makes sense to me at all.


All This And Heaven Too, by Florence + The Machine

Da Ponte D. Luís...


Dias de sol que fazem bem ao olhar,
aos ouvidos, à pele, aos cabelos ao vento,
à ponta do nariz, ao sorriso...
À alma, essencialmente...

Blogostory


Teve início em Março uma viagem no blog do Jota: a Blogostory! Treze bloggers concorreram a um concurso de escrita, cheios de incertezas, numa tela em que as tonalidades variavam entre um certo nervosismo, muita ansiedade, e, claro, uma enorme vontade de diversão!
Ao longo do percurso, com altos e baixos, houve desistências, atrasos, até eu mesmo falhei na participação de uma fase! Mas a linha do tempo nem sempre joga a nosso favor. Mesmo assim, estamos todos de parabéns! E é com muita alegria (e alguma tristeza) que a Blogostory chega ao fim...

Para ser sincera, não esperava ganhar. Aprendi com o tempo que não devemos esperar o melhor das coisas, para as desilusões não serem maiores. Contudo, aquele bichinho da escrita que se revelou há já alguns anos levou a melhor e, com muitas horas a olhar para o tecto com a caneta na boca a pensar o que fazer a seguir com a Rita e com o Ricardo, Lê-me a Sépia chegou ao pódio e eu não poderia ficar mais feliz!

Tenho a agradecer a todos aqueles que votaram em mim. Tenho de dar os parabéns a todos que, tal como eu, participaram e deram o seu melhor e tenho de admitir que olhava para as outras histórias, sem sequer saber os nomes dos autores e pensava «Ok, não tenho hipótese contra esta…». Às vezes ficava frustrada, mas acho que aconteceu com todos nós!

Foram dois meses assim; incertos mas cheios de produtividade que resultaram em coisas muito boas. E, da mesma forma que vou dar um fim à Rita e ao Ricardo, espero também que todas as outras personagens tenham o seu fim no blog de cada participante!
Todos saímos vencedores, porque todos ganhámos alguma coisa… Como diz a minha avó, quanto mais não seja, ganha-se juízo! Se é a escrita que vos dá alento, então sigam-na! Nunca desistam dos vossos sonhos!

E aqui fica o primeiro capítulo de Lê-me a Sépia.

Espero que gostem!

#2 | Tu não sabes grande coisa, e isso é um facto



My love has concrete feet






This will be my last confession
«I love you» never felt like any blessing, oooh
Whispering like it's a secret
In order to condemn the one who hears it
With a heavy heart





           Heavy In Your Armsby Florence + The Machine

I Sing The Body Electric, by W. Whitman


1
I sing the body electric,
The armies of those I love engirth me and I engirth them,
They will not let me off till I go with them, respond to them,
And discorrupt them, and charge them full with the charge of the soul.

Was it doubted that those who corrupt their own bodies conceal themselves?
And if those who defile the living are as bad as they who defile the dead?
And if the body does not do fully as much as the soul?
And if the body were not the soul, what is the soul?



Sometimes, I pretend you love me. Isn't that adorable, my dear?


Optimus Primavera Sound...

Se Mogwai vem ao Porto, Alice vai a Mogwai!

#1 | Tu não sabes grande coisa, e isso é um facto



Echoes

And no one sings me lullabies
And no one makes me close my eyes
So I throw the windows wide
And call to you across the sky

Echoes, by Pink Floyd

«Waiters become desperate»

Boas surpresas

Hoje a minha mãe deu-me um livro:
– Vi este livro. Custava dois euros e a capa era bonita. E um do Eça de Queirós que vou dar ao teu irmão.
– Tu sabes que ele não o vai ler?
– Deixa lá. Leio eu. Não tinha este. É sobre um menino de catorze anos. Por isso é que pensei nele.
– Pronto. E o outro? Não é um romance cor-de-rosa, pois não?
– Não sei. Espero que não. Mas não deve ser. Só gostei da capa.

(Sim, a minha mãe compra livros pelas capas. Obrigada, Nicholas Sparks pelas capas demasiado melífluas. Agradeço-te a ti também, Margarida Rebelo Pinto, pelas capas congruentes com a qualidade da escrita.)

Mas vai-se a ver e o livro afinal é de qualidade, ou assim pareceu. Não conheço o autor. Limitei-me a ler a sinopse e a folheá-lo. Mas acho que o vou querer ler, assim que terminar a montanha dos livros «A ler».
Então é este o tal:

Tenho de admitir que a capa realmente é muito agradável
(em inglês o título é mais bonito... mas o que se pode fazer?)
Cliquem aqui para ler a sinopse.
Esperando que a Rosie mo peça emprestado, porque faz demasiado o género dela.

A very merry unbirthday to you!

The March Hare will be much the most interesting,
and perhaps as this is May it won't be raving mad
– at least not so mad as it was in March

Lewis Carroll, in Alice's Adventures in Wonderland

Maio


Gosto dos meses começados por M.
E também gosto de margaridas.