Rita olhava pela varanda de granito da enorme mansão caiada de branco com portadas
azuis, para a estrada onde já não passava vivalma havia meses.
De perninhas à chinês, segurava
na mão o violino, deixando-o repousar sobre o seu colo e balançava, com a outra mão de menina pequena, o arco de cerdas brancas. Brancas como a pele das suas mãos.
Brancas como os poucos salpicos de algodão que tornavam o céu de verão tão
hospitaleiro.
Tudo aquilo era idílico: as áleas adornadas por lindas árvores altas e
centenárias, os trilhos de roseiras, o olival, o lago ladeado por lentiscos, as
romãzeiras que se adivinhava darem fruto nos meses próximos. E Rita adorava romãs.
Sentada na cadeira de ferro forjado, absorvia todos aqueles ares frescos de
maresia mediterrânica, de laranjas acabadas de cortar, de sol de verão que
aquece sem queimar.
Rita tinha o canto das andorinhas, uma ode radiante àquilo que era a vida. Era
livre, na sua ilha, só sua.
Pousou o violino sobre a mesa e mordeu um dos gomos do citrino agridoce. Fechou
os olhos. Era como se ela fosse uma espécie de ceifeira, uma espécie de felino,
também.
Pousou o arco, despiu o vestido e correu apressada para dentro de casa,
como se o tempo viesse atrás dela. E vinha mesmo. Correu. Correu por entre os
corredores ornamentados de bustos. Correu; pinturas a óleo e estantes de livros. O
piano de cauda. Os arranjos de eufrásias. Correu pelos degraus abaixo, quase
tropeçando nos próprios pezinhos inocentes. Correu. Abriu o portão do jardim e do alto das escadas
de pedra, mergulhou na sua consciência…
Quebrara-se: era hora de voltar para casa.
Quebrara-se: era hora de voltar para casa.
8 comentários:
Sabes, o que acabaste de escrever, é... de um luxo indescritível.
gostei da rita... gostei muito do que disseste da rita e com a rita.
Muito obrigada! Adorei o que escreveste, sem dúvida
Bem, porque eu não cheguei a tal ponto, o da comparação. E além disso exijo mais dos outros do que exijo de mim. Penso que isso transparece nos meus textos. Mas já que me desafiaste; os teus são muitos mais ricos em pormenores (este especialmente), e muito mais suculentos, generosos é o termo; enquanto que os meus são mais intensos e mais psicológicos, crus. Os teus são belas artes e o meus são quase anti-arte, mais semelhantes com o trabalho de um eduardo-mãos-de-tesoura do que de um miguel ângelo. E, sendo mais incisivo; o que descreves com tão grande pormenor dá-me a impressão que procuras algo mais do que o pó dos dias. Aprecio isso. E desta vez, se a tua celebração da vida foi realmente sentida, tocaste a nota certa.
R: Muito obrigada, também gostei muito do teu blog e principalmente da tua escrita, é mesmo sentimental! Parabéns! *
R: Vou-te seguir também, obrigada! :') *
Brutal, tu escreves super bem!! Muitos parabéns!
Que texto lindo!
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Quando lia contos de fadas, eu imaginava que aquelas coisas nunca aconteciam, e agora cá estou no meio de uma! Deveria haver um livro escrito sobre mim, ah isso deveria! E quando for grande, vou escrever um...
L.C.