Borrou a maquiagem mais uma vez, numa tentativa
frustrada de parecer bela aos olhos dele. É claro que nunca se sairia bem,
porque neles já moravam os cabelos loiros da rapariguinha italiana de aspecto hipster, cobiçada por todos os rapazes. Cobiçada por ele. A quem se entregara
também.
Era fácil amá-lo. Ele, apesar do seu aspecto «Que
se danem as pessoas», não passava de uma criança mal-amada, dum jovem doente, duma alma de poeta aprisionada dentro de um corpo que foi moldado por uma
sociedade para ser mais uma das peças de uma máquina que sustenta um planeta
pútrido e que se vendeu pelo capitalismo sujo de meia-dúzia.
Tal como ela. Não a loirinha, de nariz empinado e
sorriso automático. Ela, a rapariguinha ruiva, sardenta, bonita e esquecida,
que se perde sempre nos olhares alheios, de que escapa com uma facilidade
involuntária.
– Tu és eu, dissera-lhe ele uma vez.
E nunca mais...
Voltou a olhar-se ao espelho, assustada, limpou o que
restava do batom vermelho, fitou os olhos verdes sem fim e virou costas à
languidez dos seus sessenta quilos cobertos pela pele fina que transparecia o sangue azul que lhe corria
nas veias.
– Amanhã vê-se.
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Quando lia contos de fadas, eu imaginava que aquelas coisas nunca aconteciam, e agora cá estou no meio de uma! Deveria haver um livro escrito sobre mim, ah isso deveria! E quando for grande, vou escrever um...
L.C.