Numa quietude desconcertante, aproximou-se
do banco verde de madeira, bamboleando a carteira de couro na mão direita.
Trazia vestida a saia azul, decorada com pequenas margaridas brancas, e a sweather
cinzenta. Apesar do calor outonal, sentia-se bem.
Nos seus olhos brilhava a
ânsia por um cigarro e o arrependimento de uma noite de sangue sem sono.
Os seus lábios, pintados de vermelho vivo,
convidavam a um beijo libidinoso
de travo amargo a tabaco. E, no esplendor da sua juventude, esses mesmos lábios,
ainda infantis, cheios, e a boca semiaberta (de alheamento) não passavam
despercebidos pelos doutores prometidos que por ela passavam.
"Aqueles mocinhos já estão na unibersidade", disse uma velha
vestida de azul-turquesa, em tom de cochicho, com uma deliciosa pronúncia do
Norte, para o marido, também ele sentado no banco.
Alice desviou o olhar para o casal idoso.
Aquele acento que, tanto lhe era alheio, como familiar, sempre a fascinava…
Olhou para os rapazes…
Oh! Esses jovens! Quantas vezes se irão
eles perder em Alices, em beijos rubros de tabaco e aguardente, no espírito
boémio da capa preta...
E tal como o eco do comboio que se
aproximava no túnel, também o esvoaçar das pombas, a azáfama de saltos agulha,
das capas pretas contra o vento e da velhotinha, que numa doce brincadeira
sorria para o marido, ajeitando-lhe a sobrecasaca de bombazine castanha,
desapareciam por entre o cabelo esvoaçante de Alice.
Respirava melhor com a boca assim,
entreaberta, e o ar frio da estação férrea feria-lhe a garganta seca de quem já
não fala há horas. Óptimo! Antes a matasse e acabasse com tudo.
Pensava na melhor forma de terminar com a
dor… e essa seria atirar-se para o fosso que, alguns metros à sua frente, abria
o chão em linhas geladas de ferro agora molhado pelas chuvas matinais.
Olhou as linhas amarelas… Significavam
perigo. Para Alice... seriam a salvação.
Levantou-se pesadamente, arrastando as
Docs pelo chão...
Com a respiração suspensa, pensou neles...
O mundo era um vampiro...
Dirigiu-se ao cinzeiro mais próximo e deitou fora a chiclete de canela. «O problema é se nos atiramos para a morte e
acabamos como vegetais numa cadeira de rodas», ouviu a voz dele na sua mente.
E entrou no comboio da linha oposta,
seguindo os velhinhos.
Eu só queria o mesmo que eles.
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Quando lia contos de fadas, eu imaginava que aquelas coisas nunca aconteciam, e agora cá estou no meio de uma! Deveria haver um livro escrito sobre mim, ah isso deveria! E quando for grande, vou escrever um...
L.C.