Sento-me à cabeceira da cama e aponto, aleatoriamente, a lanterna
com que a minha imaginação vagueia, e percorro o quarto.
À minha volta, e como sempre, a minha melhor companhia: os meus fantasmas, reúnem-se.
Sentados junto ao fontanário, apreciam a água que brota dos diferentes
bicos e os jorros caem, num pranto, no abismo de pedra cinzenta,
pardacenta, pincelada de limo e musgo, fazendo aquele carpido
gorgolejante de água a cair. O som lembra-me sangue. Não sei o porquê.
Ah... as minhas noites de insónia. Não sou um escritor
romântico. Talvez tenha influências, como uma espécie de reminiscência trazida
por uma vida passada, mas certamente identifico-me com Camilo,
que, desassossegadamente, também cavaqueava com fantasmas nas suas noites de insónia. Parece que não somos assim tão diferentes. Teria sido uma boa época para
viver...
Vês? É nisto que os espectros são bons. Fazem-me etérea e transparente e lunática
e...
Suspiro.
Aponto para cima. Acho que os humanos olham pouco além da própria cabeça.
Temos mais tendência a olhar para o chão e poucas vezes vemos os pássaros. Bem,
não tenho pássaros no quarto. Tenho-os na mente. São suficientes.
Sobre o tecto branco do meu quarto, pintei histórias, revi(vi) lembranças, alcancei
alguns sonhos até, que, claro está, não sairão desta tela finita. Do candeeiro
apagado, extraí sombras que se desenham ao longo dos ornamentos dourados em
forma de folha e das túlipas de madrepérola.
As paredes do meu quarto são de cor lavanda. Uma tonalidade calmante de que
realmente gosto. Os meus pais pintaram o meu quarto enquanto estive em
Inglaterra. Preferia verde lima. A cor da natureza. Ainda assim, apreciei o
esforço e nada lhes disse.
Vou acender velas. Gosto de velas. São de lavanda, também elas. A cor do
espírito e o aroma que exalam (apesar de sintético) cheira-me a paz.
Aponto a luz da lanterna para o espelho e recebo o mesmo feixe luzidio em
troca. Vejo o mesmo reflexo nele todas as noites: um sorriso contrafeito e afectado,
muito mal camuflado, de alguém triste, a expressão taciturna, esgotada, o olhar
infeliz e o cabelo desgrenhado. Já não sou a mesma. Sou um ser mórbido que já
não sorri verdadeiramente há muito tempo. Sinto-me bolorenta… aos poucos vou…
E junto-me…
Aos fantasmas…
Das tuas noites de insónia…
Para que, no meu egoísmo, também amargues por me teres levado ao precipício…
Não sou mais do que má arte e cicatrizes antigas... |
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Quando lia contos de fadas, eu imaginava que aquelas coisas nunca aconteciam, e agora cá estou no meio de uma! Deveria haver um livro escrito sobre mim, ah isso deveria! E quando for grande, vou escrever um...
L.C.