私と私


Soltei o olhar da razão que me fazia ver o mundo (a mesma razão que me consumia nas noites de deambulação pela cidade). 
Soltei o cabelo (que trazia preso, no topo da cabeça) e sacudi-o, criando, em torno de mim, uma aura incandescente, acentuada pela luz do lampião.  
Outrora, soltara-te do peito  como quem abre mão de um pássaro e lhe dá o mundo  para te ver, depois, fugir por entre os fumos da cidade, naquele teu vestidinho preto ameninado. 
Foste sempre pouco, sempre incompleta e insaciável  dizias precisar de pão para a alma  e, sempre inconsciente de que não medias mais do que uns míseros cento e sessenta e quatro centímetros, afirmavas ter sonhos presos por fios de cem metros, em direcção ao Sol (como se cem metros fosse muito).  Mas os teus sonhos não eram balões (não te puxavam alto, não te faziam ver o panorama horizontal da Terra); não te esquentavam o sangue e agrilhoavam-te à terra. 
Acho que, no final de todas aquelas somas e subtracções que eram os nossos desatinos, admiravas-me, mesmo sendo eu uma âncora; era eu quem te agrilhoava, eu, o teu maior sonho.  
E, cometendo novamente o erro de cair na impossibilidade lógica de te fazer ficar, prendi o olhar no céu, ciente daquilo que me consumia o espírito, o fôlego e as solas das botas (agora exaustas), e deixei-me ficar ali, suspensa em ideias desmesuradas, de sabor amargo a tabaco indiano.  

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Quando lia contos de fadas, eu imaginava que aquelas coisas nunca aconteciam, e agora cá estou no meio de uma! Deveria haver um livro escrito sobre mim, ah isso deveria! E quando for grande, vou escrever um...
L.C.