IX.Simultaneidade




É preciso partir, definitivamente. 

Ou ficar. Ficar e mudar.
É preciso dar à sola ou ficar e mudar tudo.

VIII. Sangue frio

Os dedos escorrem pelo braço, trinando sons negros na guitarra. A caixa ecoa a infelicidade e geme, baixinho. A guitarra chora. 
Os dedos escorrem cegos pela escala, suam o metal. Ao violino, dói-lhe a alma. E os violinos têm mesmo uma alma. 
Nos dedos, escorrem, ímpios, rios de vida... mortos. A impureza foi eliminada a sangue frio, como tem de ser, impiedosa como a luz do sol ao incidir na lupa com que os miúdos queimam formigas nas tardes de verão.


VII. Selvagem

O corpo onde a água habita, de copo em riste sublima a criação divina. Sou livre, sou um ser selvagem. O meu coração ruge e as minhas garras vibram ao tocar a erva molhada da manhã. Tenho presas e o peito cheio de ar; persinto a caça, os aplausos distantes e… e as luzes que me focam e cegam…

Estou presa. Há arames nas minhas mãos e pés. Ainda tenho a boca sossegada. Arfo. Não me descobriram a razão, ainda. E é aí que reside toda a minha liberdade.

VI. Tosta

Do País das Maravilhas...

1/2 xícara de leite
3 ovos
1/4 xícara de manteiga de amendoim
2 colheres de sopa de açúcar branco
1/2 colher de chá de extracto de baunilha (opcional)
1/4 colher de chá de canela em pó
1 colher de sopa de óleo vegetal
4 fatias de pão

Passo-a-passo, sem mergulhar o dedo na manteiga:
1. Misturar o leite, os ovos, a manteiga de amendoim, o açúcar, o extracto de baunilha e a canela numa tigela grande.
2. Aquecer o óleo na frigideira, a lume médio.
3. Embeber cada fatia de pão na mistura de ovos (ambos os lados).
4. Fritar em ambos os lados até doirar, cerca de 3 a 4 minutos de cada lado.
5. Servir quente e com muuuito amor e açúcar.

P.S.: Aconselha-se que se lambam os dedos!

V. Realidade


O que é verdade é real.
O que não é verdade não é real.
É uma ilusão, mas parece real.
O amor é real.
É a expressão suprema da vida.

IV. Rezar

Recostei o corpo à pedra gelada, salgada pelo mar. Fundi-me com as algas e fechei os olhos. Senti-me gelar, salgar; o meu mundo era um mar de ideias e a minha mente ribombava sobre as minhas pálpebras. As minhas mãos, agora exangues, juntavam-se, formando uma posição de prece. 
Procurei em mim a resposta, a calma ao mar bravo que rugia e doidamente sibilava dentro dos meus ouvidos. 
Eu não era pele, não era carne, nem ossos. Não havia sangue em mim. Toda a minha vida era feita de sal e erros alheios. E eu beijei aquele abismo em que me embalava.
Só rezava, por rezar. Sem acreditar. Ria, quando o fazia. Era inútil. É inútil... É inevitável... É fatal.
– Nada a fazer.
– Nada a fazer.



Acho que o ventre de onde nasci, nunca me quis. Desconfio, até, que o sangue que me corre nas veias foi-me dado sob uma uma imensa dívida. E no caminho que tenho percorrido, desde que larguei o berço, tenho vindo a pagar em lágrimas todas as gotas de sangue que puramente precisei. 
Foi-me imposto que nascesse e agora dói a quem me criou que eu tivesse nascido.
O mundo é irónico, a família é ridícula e eu estou cansada dos laços rompidos que me prendem a esta casa, as estas paredes, a esta pele.
A minha maior dor está-me no sangue e eu nunca poderei mudar isso.

III. Romance

Romance é um livro que eu nunca abriria. Por ter medo; por ser uma fera desconfiada; por rugir à novidade.
Até que abriram um livro muito meu: Eu. Eu própria. Com todas as minhas páginas feridas, gastas, borratadas por lágrimas e manhãs de chá. Eu própria, com os meus cantos dobrados e com as frases que sublinhei na memória. 
Depois decidi que o romance não era um livro tão mau assim.
Desde então, que escrevo o nosso. 

II. Simbólico

Olhos lunares beijavam a força daquelas águas como se olhassem pela rebentação. Sopravam os beijos e acariciavam o sal, dando ao mar o azul esverdeado daquela noite.
Não!
Naquela noite, a água era feita de prata, como se todos os peixes nadassem nela, à sua superfície. Brilhava, rugia, sibilava. Por fim, sorria.
O mar sorriu à lua.
O mar sorria. 

I. C12H22O11

Março


Sou muito de Março. Sou de sangue de dias com sol quente, zunidos de abelhas, mas com brisa tão fresca, que é Inverno na minha sombra. Sempre, e em demasia. Que nasçam as flores e os pardais cantem. Que seja sempre Primavera na minha alma.