II. Sofá



Por vezes, sinto a alma a pesar e a precisar, sobretudo, de chá e sossego. Como que para aclarar as ideias e reavaliar os passos a dar. Nunca os que já foram dados. A ideia é nunca olhar para trás. A ideia é esquecer as portas que se fecham a cada segundo que passa e medir as pontes que se lançam aos nossos pés.
A inspiração feita no passado, não nos livrará de morrermos asfixiados no futuro. Então é preciso continuar a respirar e resistir neste mundo.
Por vezes, quando sinto a alma cansada, sento-me no sofá para descansar os pés e recuperar o fôlego. E é assim que (sobre)vivo. 

[Singela flor que]


Amor de fim de Verão

Eu conseguia imaginar-me a esbarrar todos os dias contra a tua pupila, mesmo naqueles dias em que as grades do metro esfumaçam a passagem das pessoas pelo tempo.
E a passagem do tempo pelas pessoas.
Eu conseguia imaginar-me a ir, em direcção àqueles ventos solares que tanto me atraem, porque não passam de prolongamentos de ti, e do emaranhado que são os teus pensamentos.
E da metáfora que os teus caracóis ruivos são.
E eu via-me nesses movimentos aleatórios, aos saltos, pela avenida abaixo, a correr, como um louco, com um sorriso na cara, à tua procura, naquela nossa cidade que fizeste tão tua, sem que te apercebesses.
Eu sabia que deverias andar por ali. As ruas cheiravam a ti, e a estação também e na torre da Sé, o relógio marcava a tua hora. Eram três horas da tarde e o ponteiro mais comprido marcava os catorze minutos e era a tua hora e eu esperava-te a qualquer segundo, a virar uma esquina, de botas pretas e livro na mão.
Então eu vi-te! De repente, e como quem não quer a coisa, lá estavas tu, caramba! E corri!, não fosses fugir-me outra vez, rapariga. E eras ligeira e de nariz empinado. E então, lá corri. Estavas a chegar à estatueta do ardina e eu quase pensei que gostava de te mandar um postal com uma fotografia do céu daquela tarde, e da magnólia que estava coberta de flores brancas. Estava tão bonita, e tu também estavas muito bonita... e lá passaste, com os teus óculos redondos, de haste dourada e eu vi as flores reflectidas nas lentes escuras.
Estava tão perto de ti e de te alcançar, quase toquei no teu blusão de ganga e…

I. Metáfora



Falavam por horas e horas sobre carências e asas, perdas e falhas. Falavam de tudo; eram duas páginas do mesmo livro – quando o mundo fechava o livro para descansar os olhos, eles, as páginas, ficavam sempre juntos, peito com peito, abraçados. Ela era a catorze, que começava com uma frase simples sobre o quanto as ervilhas demoraram a crescer naquele ano, e ele a quinze, que era um monólogo pequeno sobre as ervilhas e o mau tempo que as tinha atrasado.