無限のアカウント


Cobria-lhe o cabelo uma fina camada de gotículas de chuva, semelhantes a rubis – brilhavam, dando-lhe um ar irreal.
Corria apressadamente – tão apressadamente quanto os pezinhos mordazes lhe permitiam –, na vaga tentativa de fugir da chuva, em direcção à estação, onde estava previsto o comboio chegar, por volta das cinco da tarde.
Estava atrasada – já passavam dez minutos da hora combinada
Aquela tarde de outono – de céu emoldurado por dois arco-íris –, mais solarenga do que o costume (e, ainda assim, abençoada pela chuva), dourara-se com o passar das horas do relógio da torre da Sé. E ela esquecera-se completamente de que, secretamente, teria de esperar a chegada do estrangeiro à estação. Por isso correu, mesmo estando ciente de que não chegaria a tempo.
E, de facto, não chegou – o comboio dera entrada na linha e partira entretanto.
Por isso sentou-se – cansada –, fazendo sua companhia o único cigarro que lhe sobrava no bolso.
Ele sou eu, em pessoa. Outra. Mas sou eu.

ベース

As melodias ofegantes que íamos tomando ao chá escorregavam-nos pelos pensamentos, pelos lábios e, de gosto acerejado: elevavam-nos às figuras de deuses omniscientes. Davam a ideia de sermos esféricos, simples, e de ainda vivermos dentro de um sentimento quente e intrauterino. Um sentimento de leveza e paz: tão doce quanto o chá que nos aquecia as almas.
Uma sensação de catarse percorria assim as pontas dos nossos dedos, e as palavras que escapavam por eles – sob a forma de gestos florais, muito contidos e infantis.
A chuva (se Deus a dava) chicoteava os vidros das janelas, de onde escorriam os vapores do chá, e nós lá estávamos: naquela atmosfera tão natural e açucarada.
Conversávamos, sonolentamente, sobre o inverno e sobre meias: diga-se que, no que toca a meias, não foi uma conversa tão solene assim. E íamos bebericando da música e das chávenas de chá, à medida que o tempo passava. E, rapidamente, nos apercebemos que já não falávamos de meias, mas de passos.
E era a consciência que nos assolava; a consciência que nos pesava na cabeça e nos peitos cheios de ar e de esperança; consciência da inconsciência da passagem do tempo, sobretudo. E o quanto tudo isso era absurdo.
Então, resfolgaste, encolheste os ombros e disseste, sorrindo, com muita simplicidade: nunca seremos suficientes para o que nos rodeia. Pousaste a chávena, levantaste-te do sofá de couro verde e dirigiste-te até à janela.
Estavas certo disso: como era habitual, conseguias condensar os maiores turbilhões numa frase e num sorriso, fazendo-os eclipsarem-se, numa ilusão.

Varanda


Eu estou bem. Quase tão bem. Vê como é bom voltar a dizer.