Ao espelho, retoco as feridas, como se fossem simples manchas de tinta.
私と私
Soltei o cabelo (que trazia preso, no topo da cabeça) e sacudi-o, criando, em torno de mim, uma aura incandescente, acentuada pela luz do lampião.
Outrora, soltara-te do peito – como quem abre mão de um pássaro e lhe dá o mundo – para te ver, depois, fugir por entre os fumos da cidade, naquele teu vestidinho preto ameninado.
Foste sempre pouco, sempre incompleta e insaciável – dizias precisar de pão para a alma – e, sempre inconsciente de que não medias mais do que uns míseros cento e sessenta e quatro centímetros, afirmavas ter sonhos presos por fios de cem metros, em direcção ao Sol (como se cem metros fosse muito). Mas os teus sonhos não eram balões (não te puxavam alto, não te faziam ver o panorama horizontal da Terra); não te esquentavam o sangue e agrilhoavam-te à terra.
Acho que, no final de todas aquelas somas e subtracções que eram os nossos desatinos, admiravas-me, mesmo sendo eu uma âncora; era eu quem te agrilhoava, eu, o teu maior sonho.
E, cometendo novamente o erro de cair na impossibilidade lógica de te fazer ficar, prendi o olhar no céu, ciente daquilo que me consumia o espírito, o fôlego e as solas das botas (agora exaustas), e deixei-me ficar ali, suspensa em ideias desmesuradas, de sabor amargo a tabaco indiano.
Hoje aprendi que...
Toda a arte nasce da fusão, essa sim mágica, entre técnica perfeita e alma profunda.
entre conversas com o P. Chagas Freitas...
七文章、七点
Um dia, gostava de inventar uma teoria; uma daquelas teorias
poeticamente ridículas. Tão ridícula quanto as já lidas por aí; mas sem que
perdesse o seu “Q” de arte, e passasse a ser uma composição de meia-dúzia de
notas soltas. Mas, mesmo assim, não seria mau, nem que fosse por uma vez, poder
quebrar a armação de clave das ideias modernas; conjugar sustenidos e bemóis,
onde tudo se quer consonante.
Compor uma teoria dessas, seja qual for o momento em que é feito, não
é fácil; aliás, nunca é, para mim, rápida a decisão a tomar sobre o que
escrever.
Acho que, se pudesse, escreveria algo sobre uma rapariga-elefante;
algo que pudesse inventar com as cinco pautas da minha própria memória, que,
não sendo de elefante, é a de uma rapariga que perdeu a memória da última vez
que chegou à prateleira onde se guardam, em latas de biscoitos sortidos, as
decisões.
Talvez eu própria seja a teoria de que preciso, por ser um misto de
indecisões e de memórias feitas de tinta-da-china; uma teoria poeticamente
absurda e descabida.
Da próxima vez que chegar à lata dos biscoitos sortidos, guardo lá
esta ideia; talvez nunca mais lhe chegue, ora pois, e toda esta indecisão acabe
por se perder nas brechas da memória que não se quis de marfim.
Hoje preciso dum «pois», preciso dum «sim»...
Não sei o que faça deste copo vazio e destas beatas. O tempo passa despercebido, sem me levantar o olhar e sei, cá dentro, dolentemente sei, que continuo a peneirar ar e vento, na vaga esperança de descobrir pedras preciosas presas por entre os dedos enlameados.
Hoje sinto-me assim: desamparada sobre as ondas de um mar revolto e gelado de outono. Sinto o iodo e a nortada que me estala na face. Ah! Como gosto destas noites em que prendo olhares alheios à minha figura alienada de cabelo ao vento.