Cai a noite, ao som de violoncelos cerrados; um murmúrio incessante,
uma frequência quase imperceptível.
Esfrego os olhos. Tenho as mãos lavadas em sangue. O povo disse que
era necessário um sacrifício e que tudo ficaria bem. Mas continuo sem enxergar
o mundo. Tenho lágrimas de prata e os olhos cobertos de ferrugem. As minhas
mãos doem e os violoncelos não cessam.
Oiço o ribombar duma tempestade, ao longe. É tudo tão orquestral: os
tambores empíreos, a ira divina, a chuva em pizzicato,
numa sequência rápida e feroz!
Encolho-me em posição fetal. E embalada pelo pulsar gritante que sinto
nas têmporas, tento adormecer. O sangue mistura-se com a chuva no chão: a terra
pura é maculada pela minha dor, os meus pecados e a fé morta.
Resta-me esperar pelo amanhecer, pelos alvos pianos do renascimento, as
flautas, os oboés da minha primavera.
1 comentário:
Nem sei bem como expressar o quanto gostei deste texto! Tirou-e o fôlego, cada palavra. Amei. Parabéns :)
E muito obrigada pelo teu comentário :)
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Quando lia contos de fadas, eu imaginava que aquelas coisas nunca aconteciam, e agora cá estou no meio de uma! Deveria haver um livro escrito sobre mim, ah isso deveria! E quando for grande, vou escrever um...
L.C.