Sussurram as ondas o teu nome
Tenho um coração no fundo do rio.
Tenho beijos perdidos nas correntes de ouro.
Onde ancoraste tu, viajante de corações?
Cai a noite, ao som de violoncelos cerrados; um murmúrio incessante,
uma frequência quase imperceptível.
Esfrego os olhos. Tenho as mãos lavadas em sangue. O povo disse que
era necessário um sacrifício e que tudo ficaria bem. Mas continuo sem enxergar
o mundo. Tenho lágrimas de prata e os olhos cobertos de ferrugem. As minhas
mãos doem e os violoncelos não cessam.
Oiço o ribombar duma tempestade, ao longe. É tudo tão orquestral: os
tambores empíreos, a ira divina, a chuva em pizzicato,
numa sequência rápida e feroz!
Encolho-me em posição fetal. E embalada pelo pulsar gritante que sinto
nas têmporas, tento adormecer. O sangue mistura-se com a chuva no chão: a terra
pura é maculada pela minha dor, os meus pecados e a fé morta.
Resta-me esperar pelo amanhecer, pelos alvos pianos do renascimento, as
flautas, os oboés da minha primavera.