A ti, que és ódio e carne rasgada.

Alguém a partiu. Alguém pegou nela, atirou-a ao ar e viu-a cair – ela desfez-se em tantos pedaços.

Levantou-se e juntou as partes que conseguia. Varreu o chão. Varreu-o a fungar o nariz. Fumou seis cigarros. Vomitou. E lavou a cara. Tomou banho e voltou a lavar a cara. Alguns dos pedaços remendados fugiam-lhe da carne e ela tentava, em vão, repô-los.

Alguém a partiu e alguns dos cacos foram para debaixo da cama. E ela sabe que lá só existem monstros. Ela não os apanhou.

Mudou de casa.

Mudou de casca.

Não mudou de pele. Não conseguia.

Pegou numa faca e tentou desenhar uma saída do próprio corpo.

Não conseguia.

Vestiu o casaco e foi comprar mais cigarros. Atravessou o chão gelado e caiu e a neve parecia mais quente do que na noite anterior. A neve trazia conforto.

Fumou mais seis cigarros. E vomitou. Na neve. Que nojo! Nojo dela. Daquele alguém que a deixou cair.

Propositadamente.

E ele era um filho da puta. Mas ela estava bêbada. Estava? Não sabe. Não se lembra.

Puta.

Estava a pedi-las, de certeza. 


Agora chora, já se lembra. Já sabe o cheiro que se sente quando se cai ao chão. Já sabe como respira alguém que atira a mais fina peça de porcelana ao chão. Já sabe como é suave, e livre de culpa, a pele de alguém que atira a mais fina peça de porcelana ao chão.

Propositadamente.

Qual culpa? Se ela estava bêbada. Não estava?

Mas estava a pedi-las, de certeza.


Puta.