Hoje e nos últimos dias, tem sido recorrente a vontade de abrir este caderno que partilho em vão.
Sei, que no fundo, e entre milhares de cigarros, sempre esperei que um dia o encontrasses numa gaveta, misteriosamente ali colocado, como que por magia. Eu imagino que abres este caderno e me lês.
E na outra noite sonhei contigo.
Já quase não penso em ti. A minha vida continua a merda do caos que conheceste. Eu sei que não ligas para palavrões e eu já não temo pecar.
Mas na outra noite sonhei contigo.
Sonhei que passado todo este tempo, nos fitávamos finalmente, sem vergonhas ou sem jeito de desatenção. Sonhei que finalmente tivemos uma conversa que nunca existiu. Até porque não foram tantas assim as vezes em que falámos.
Mas finalmente consegui proferir as palavras que te podiam ter feito enorme, pesado. Finalmente te disse que desde o dia em que te conheci mesmo... desde esse dia, nunca mais fui a mesma pessoa. Guardei as tuas dores e transformei-as em minhas. Pelo menos, uma doce parte delas. Finalmente te disse quantos beijos te dei, quantas lágrimas te chorei, quantas foram as vezes que o teu copo partido me beijou a pele. Na mais amorosa das dores.
E nessa noite em que te sonhei, disseste que me amavas.
E nessa mesma noite, desencontramo-nos.
Porque o amor é urgente e levámos anos para o acudir.
Porque guardámos lamentos e hipóteses. Guardámos fragmentos, ódio, as mais sedentas vontades de amar e destruir. Guardámos tudo!
E para quê?
E depois acordei.
E não me lembrei de ter sonhado. Até ter recordado a cor negra das tuas olheiras, quase esverdeadas. Ou seriam os teus olhos? Estavas sempre tão cansado...
E depois voltei a beber do chá da memória. E adormeci em recordações e como gostaria que o meu sonho fosse realidade e que, do lado de lá, estivesses à minha espera.
Por isso sei que vamos continuar com esta caixa enorme que transportamos para todas as viagens; que mudamos para todas as casas que somos; que revemos em todos os corpos que vivemos.
Talvez te sonhe amanhã.